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Orçamentos: Classificação por Classe

Luis Moura / 2017-04-18


A tipologia de um orçamentos e a forma como está estruturada, depende da fase do projeto e dos objetivos pretendidos pelo dono-de-obra. Apresentação dos conceitos e classes é feita em acordo com a AACE International (Association for the advancement of Cost Engineering).

Introdução

O Custo representa normalmente o fator mais importante em uma construção. Em um projeto de uma obra de engenharia civil, é mais provável este ser rejeitado por causa do custo monetário ou de questões financeiras, que por causa de dificuldades no designe estrutural, condições de instabilidade do solo ou algum outro fator que normalmente é tomado em consideração na preparação da documentação do projeto.

O custo toma diferente significado de acordo com o interveniente no projeto. Para o Dono-de-Obra, custo é a diferença do que ele vai pagar pelo projeto, pelo que ele poderá vir a recuperar do capital investido, em uma determinada fração de tempo. Portanto, para o Dono-de-Obra, uma obra de engenharia é um investimento que será rentabilizado no tempo, sendo por vezes necessário décadas 1 , até que exista a recuperação do capital inicial de investimento. Está será a análise mais simplista do custo, pois outros métodos mais complexos existem, em que é tomada em consideração muitos outros fatores como depreciação, taxa de juro, impostos, manutenção, oportunidades perdidas, etc.

Para o empreiteiro, ele espera que o investimento em trabalhadores, materiais, equipamento e informação, seja rentabilizado em um curto espaço de tempo. O seu interesse para com o projeto termina com a conclusão do contrato.

No entanto, independentemente do grupo em questão, o custo pode alterar todas as condições de um projeto. Projetos são abandonados porque o seu custo é demasiado alto. Empresas abrem falência por não conseguirem cobrir o custo de operações de uma obra de engenharia. Donos-de-Obra param projetos e mantém eles parados durante anos por não conseguir cobrir as despesas. Governos levam países à ruptura por causa de opções menos racionalizadas sobre o custo de projetos de engenharia civil.

Em face destas conclusões, o Tribunal não só recomenda que as entidades públicas que fazem contratos de empreitadas sejam mais rigorosas como também pede ao Governo e à Assembleia da República que “criem exigências e condições acrescidas para um maior rigor dos projetos de obras públicas” e que “regulem o seguro obrigatório de projeto”. – Expresso-Economia, 11/03/2016

Torna-se assim importante, que o custo de um projeto seja levado em conta desde a sua concepção — Embora hoje em dia, e de uma forma correcta, o custo deixou de ter uma significância unicamente financeira. O custo do impacto ambiental, social, qualidade de vida, etc, deverão ser incorporados no custo total do projeto. No entanto, este artigo foca-se simplesmente no aspecto financeiro do custo e dos orçamentos.

Orçamento

Um orçamento é a atribuição de valores monetários a tarefas, que de forma direta ou indireta, contribuem para a concretização dos objetivos que o Dono-de-Obra tem para o projeto.

Para cada tarefa, existe um determinado número de custos. Estes custos são classificados de acordo com a forma como se relacionam com o projeto:

  1. Custos Diretos
  2. Custos de Estaleiro
  3. Custos Indiretos

O Custo Direto é o custo que pode ser diretamente imputável à obra, sendo calculado pela quantidade de Recursos consumidos na realização da/s tarefa/s. Os recursos são divididos em três bens físicos:

  1. Mão-de-Obra
  2. Equipamento
  3. Materiais

Caso Estudo

Para a construção da parede, serão necessários os três tipos de recursos. Mão-de-Obra, composta por um pedreiro e um servente; Equipamento, que no caso desta parede é um Dumper e o gasóleo necessário para o manter em funcionamento durante o período de execução das tarefas; e Materiais, que são os dois tipos de tijolos necessários à construção da parede.

Custo Direto

Table 1: Exemplo para \(1 m^{2}\) de Alvenaria Dupla de tijolo com panos de tijolos furados de 30x20x11 cm, e de 30x20x15 cm, assentes em argamassa de cimento.
Quantidade Unidade Descrição Custo Unitário (euros) Custo Total (euros)
16 un Tijolo 30x20x11 0.35 5.6
16 un Tijolo 30x20x15 0.45 7.2
1.5 h Pedreiro 8.1 12.15
1.5 h Servente 6.8 10.2
0.09 h Dumper 15 1.35
1.5 l gasóleo 1.09 1.635
      TOTAL 38.13

O tipo de tabela a ser feita, depende do nível de exatidão pretendido para o orçamento. Na tabela 1, e a título de exemplo para os materiais, poderia ser adicionado o cimento, pregos, madeira, água, etc. Por outro lado, a tabela poderia ser simplificada e ter só três linhas: “Materiais”, “Mão-de-Obra” e “Equipamento”. Ou então ter só uma linha com o preço total para a construção da parede.

No meu início de carreira, eu costumava orçamentar de forma exaustiva. Tentava incluir todo o tipo de recursos que podia imaginar. Infelizmente o rigor da lista que eu fazia, não traduzia a realidade e normalmente o preço total dos recursos, ficava muito além do que viria a ser depois em obra. Felizmente tinha pessoas mais experientes ao meu lado que verificavam os meus orçamentos antes de serem enviados para o dono-de-obra.

Com o passar dos anos, o número de linhas das tabelas dos meus orçamentos foi diminuindo, mas a exatidão dos mesmos foi aumentando. A experiência é o mais importante quando se faz um orçamento. Com os passar dos anos, eu fui criando as minhas próprias tabelas de preços unitários, baseadas no histórico de trabalhos realizados. Por exemplo para o caso em análise em este post, bastava-me usar o preço médio por (m^{2}) do que realmente custou a construção das últimas 10 paredes de alvenaria, acrescentando ou diminuindo uma percentagem de acordo com as condições específicas da obra. É de extrema importância manter um registro dos orçamentos criados e a comparação com o que custou na realidade. Estes registros passam depois a serem uma base de dados para orçamentos futuros. O rigor de um orçamento depende da qualidade da nossa base de dados (não vale a pena tentar usar tabelas que existam no mercado, pois as condições da nossa obra, da nossa empresa e dos nossos trabalhadores, são únicas). Essas tabelas servem sim, como método de comparação das nossas médias em tempo e em custo, e por tarefa, com as médias nacionais.2

Regressando ao caso em estudo, o preço unitário por (m^{2}) de parede de alvenaria, de acordo com a Tabela 1, é de 38.13 euros. Também sabendo que o pedreiro/servente demoram 1 hora e meia na construção de 1 (m^{2}) de parede, a mesma levará 66.7 horas a construir, o que simplificando, e tendo em conta que nas 8 horas diárias de trabalho do pedreiro e do servente, pelo menos 1 hora vai ser dedicado a preparação, montagem, limpezas, etc, pode ser dito que a parede levará quase duas semanas (80 horas) a ser construída.

Sabendo o preço por metro quadrado, é necessário agora multiplicar pela área total de parede a ser construída.

Table 2: Custo direto para a construção de uma parede de alvenaria
Descrição Custo Total (euros)
Custo direto por \(m^{2}\) de parede de alvenaria 38.13
Área total de parede = \(100 m^{2}\) 100
TOTAL - Custo Direto 3813.

O Total Para o Custo Direto, que é o custo diretamente imputável à obra, é de 3813 euros.

$$ CD_{total}=\sum CD \times Q $$

Diretamente imputável à obra é o custo de estaleiro. Dependendo do projeto, o custo de estaleiro pode ser um fator substancial na percentagem total do orçamento. De uma forma simples, podemos partir para o estudo do seu preço a partir de três fases distintas: Montagem, Manutenção e Desmontagem do Estaleiro.

Em certas obras, a instalação, manutenção e desmontagem do estaleiro, são um projeto por si próprio, com necessidade de estudos, planeamento, análises de impato ambiental, financeiro, etc. No caso do muro de betão em estudo, podemos assumir que o estaleiro não terá um peso significativo no Orçamento. As ferramentas para uma equipa de dois homens podem ser facilmente transportadas em uma carrinha e não existe nenhum equipamento a precisar de proteção especial. Certamente que um escritório de obra também não será necessário e para além de contentor aonde os operários possam comer e mudar de roupa e de uma casa de banho portátil, pouco mais será necessário em esta obra. Por simplicidade, atribui-se ao Estaleiro, 5% do Orçamento do Custo Direto - ver tabela 3.

Custo Indireto

O custo indireto é o custo de manutenção da empresa. Não é um custo que possa ser imputável diretamente a uma obra, a não ser que a empresa só faça uma obra de cada vez (caso raro). As despesas da empresa, nomeadamente as do escritórios e do pessoal do escritório, das oficinas, do pessoal da manutenção, das equipas de marketing, apoio ao cliente, direção de obra, recursos humanos, etc, são todas consideradas despesas indiretas. Elas não estão atribuídas a uma obra em particular, mas ao conjunto de obras que a empresa esta a desenvolver.

No caso em estudo, mais uma vez podemos simplificar devido à pequena dimensão do projeto, e atribuir um valor percentual de 10%, sobre o total do custo direto+estaleiro.

Table 3: Custo direto e indireto para a instalação de \(100 m^{2}\) de parede de alvenaria
Descrição % Total (euros)
Custo Direto   3813.00
Estaleiro 0.05 190.65
SUB-TOTAL   4003.65
Custo Indireto 0.10 400.365
TOTAL Custo Direto+Custo Indireto   4404.02

Somando as várias despesas até ao momento, o custo da obra é de 4404.02 euros. Este valor é o quanto esta obra irá custar à empresa para realizar-se.

Lucros e Imprevistos

Finalmente podemos atribuir um valor à percentagem que será o lucro da empresa, e um outro, para cobrir algum imprevisto. Este último, o imprevisto, pretende cobrir o risco associado com diversos fatores. É um tópico fascinante e pretendo desenvolver ele em um outro post.

Neste trabalho, a empresa pretende um lucro de 10% sobre o Custo Total da obra e 3% será atribuído para imprevistos (um total de 13% será atribuído a Lucros e Imprevistos).

Table 4: Orçamento para a construção da parede de alvenaria
Descrição % Total (euros)
TOTAL Custo Direto+Custo Indireto   4404.02
Lucro 0.10 440.40
Imprevisto 0.03 132.12
Orçamento - Total   4976.54

O Orçamento para a construção da parede de alvenaria, de acordo com a tabela 4, é de 4976.54 euros.

Apresentação do Orçamento ao Cliente

Por norma em Portugal, os Orçamentos são apresentados com uma formatação parecida à que foi usado na tabela 1, em que os diversos recursos se encontram separados e o preço é dado por recurso. No entanto, é necessário que cada recurso inclua agora os custos indiretos, custos de estaleiro, lucros e imprevistos. Para isso, determinamos o fator de agravamento, k:

$$ k= \frac{Orçamento Total}{Custos Diretos}=\frac{4976.54}{3813.00}=1.305$$

O fator de agravamento é de 1.305150

Table 5: Orçamento a ser apresentado ao cliente
Quantidade Unidade Descrição Custo Unitário (euros) Custo \(m^{2}\) (euros) TOTAL
16 un Tijolo 30x20x11 0.45675 7.308 730.8
16 un Tijolo 30x20x15 0.58725 9.396 939.6
1.5 h Pedreiro 10.5705 15.85575 1585.575
1.5 h Servente 8.874 13.311 1331.1
0.09 h Dumper 19.575 1.76175 176.175
1.5 l gasóleo 1.42245 2.133675 213.3675
      TOTAL 49.77 4976.62

Aos custos unitários da tabela 1, foi multiplicado o coeficiente de agravamento. Os preços unitários da tabela 5, já são apresentados com esse agravamento.

Classes de Orçamentos

As classes de orçamentos apresentados, é uma adaptação do Recommended Practice No. 18R-97 [@AACE] da AACE International.3

De acordo com a fase de preparação do projeto, devrá ser feito um orçamento em que o principal objetivo é o de controle de custos. Existem 5 classes, sendo a Classe 5 a primeira, feita durante a fase de definição, em que o projeto não passa de uma ideia.

Table 6: Classes de Orçamentação de acordo com o nível de definição do projeto
Classe Percentagem de Definição Objetivo Percentagem de Incerteza
Classe 5 0% a 2% Definição do âmbito -50% a 100%
Classe 4 1% a 15% Implementação de Estratégia -30% a 50%
Classe 3 10% a 40% Designe -20% a 30%
Classe 2 30% a 70% Pré-Construção -15% a 20%
Classe 1 50% a 100% Orçamento final -10% a 15%

Tanto o orçamento de Classe 5 como de Classe 4, são decisivos na tomada de decisão de proseguir com o projeto ou de simplesmente o abandonar. A percentagem de definição, ou seja, os objetivos do projeto quanto à qualidade, designe, função, etc, encontram-se entre 0% e 15%, sendo 100% a definição detalhada dos objetivos do projeto, correspondente à conclusão do Projeto de Execução:

Claro que a opção de serem feitos 5 orçamentos durante a fase de concepção do Projeto, só é viável e faz sentido em obras de grande dimensão. No entanto, e no contexto de obras em geral, o mais importante da tabela 6, é a relação que existe entre a Percentagem de Definição e de Incerteza.

Definição e Incerteza

Um Orçamento de Classe 5, ao qual eu gosto de chamar de Orçamento do guardanapo de papel, normalmente é feito no meio de uma conversa informal (um jantar), em que o Dono-de-Obra pergunta ao Empreiteiro/Projetista o preço para a construção de uma dada estrutura. Baseado em experiências anteriores, o Empreiteiro/Projetista agarra em um guardanapo de papel, e faz umas contas. O resultado é o primeiro Orçamento para a Obra, em que os conceitos e objetivos do projeto estão no máximo 2% desenvolvidos e em que o erro de orçamento, varia entre os -50% e os 100%.

À medida que o percentagem de definição do Projeto vai subindo, o nível de incertezas do orçamento vai diminuindo. Um Orçamento de Classe 1, será o orçamento que fará parte do Contrato assinado entre Dono-de-Obra e Empreiteiro. No entanto, é importante reparar que mesmo um Orçamento de Classe 1 que pode ter estar perfeitamente definido (100%), acarreta um nível de incerteza quanto ao resultado do custo total, que varia entre -10% e 15%. Por esta razão, quando o CCP (Código dos Contratos Públicos), regula o preço base de uma obra e limita de forma percentual demasiadamente baixa 4 o valor de “Trabalhos a mais” que a mesma obra pode ter, cria situações que proporcionam conflitos em obra. Não se pode definir em lei a incerteza que um Projeto de Construção Civil pode ter, especialmente quando esse valor é substancialmente diferente dos valores demonstrados na realidade.

A única maneira de reduzir (nunca anular) a incerteza de um Orçamento, é através da qualidade dos documentos do Projeto de Execução.

Footnotes

1 Supondo que o mercado imobiliário, mesmo com flutuações, mantenha uma tendência crescente.

2 Normalmente as tabelas que se encontram à venda em livrarias com o preço/custo por recurso, para determinada tarefa, representam uma média de um conjunto de empresas

3 Cost Estimating Classification System - As applied in Engineering, Procurement, and Construction for the Process Industries, Recommended Practice No. 18R-97, AACE International

4 Decreto de Lei n.182008, Concursos Públicos, Artigo 71

Bibliografia

	@misc{aace:online,                
	author = {American Association of Cost Engineers},     
	title = {Home},     
	howpublished = {\url{https://web.aacei.org/}},   
	note = {(Accessed on 06/18/2018)}    
	}